O Tribunal Central Criminal de Lisboa condenou, esta segunda-feira, o ex-banqueiro Ricardo Salgado a seis anos de prisão, por ter desviado 10,7 milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES) para a sua esfera pessoal, em 2011. A defesa do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) anunciou, à saída da sala de audiências, que vai recorrer da decisão.
Há um mês, a 8 de fevereiro de 2022, o procurador do Ministério Público, Vítor Pinto, pedira que Ricardo Salgado, de 77 anos, fosse punido com pelo menos dez anos de prisão efetiva. Já o advogado do ex-banqueiro, Francisco Proença de Carvalho, pugnara pela sua absolvição, defendendo que, em caso de condenação, a pena fosse, atendendo à doença do seu cliente, suspensa, independentemente da sua duração. Os juízes não puseram em causa o diagnóstico, mas optaram por não suspender a pena.
Na generalidade dos casos, somente penas até cinco anos de prisão podem ser suspensas e, por isso, a dispensa de cumprimento dos seis anos de cadeia seria sempre uma situação excecional.
Ricardo Salgado não esteve presente, com autorização do tribunal, na leitura do acórdão. Atualmente sujeito a termo de identidade e residência, o antigo líder do BES vai continuar, para já, em liberdade. Tem, no entanto, de entregar o seu passaporte e pedir autorização à Justiça sempre que quiser sair de Portugal. Até agora, podia deslocar-se ao estrangeiro comunicando apenas ao tribunal onde iria estar.
O presidente do coletivo de juízes, Francisco Henriques, considerou que, "com a prolação da decisão condenatória em prisão efetiva" em primeira instância e face às "ligações estreitas" que o arguido mantém com a Suíça, onde reside uma filha, "se encontram ligeiramente alteradas as exigências cautelares que o caso requer, designadamente quanto ao perigo de fuga".
Recorreu a offshores
O Ministério Público tinha acusado o ex-banqueiro de três crimes de abuso de confiança qualificado, por ter desviado 10,7 milhões de euros do GES para duas offshores controladas por si. Em causa estão três situações, duas das quais relacionadas entre si.
A primeira, datada de 21 de outubro de 2021, diz respeito à transferência de quatro milhões de euros de uma conta de uma sociedade no GES na Suíça, a ES Enterprises, para a conta de uma entidade no Panamá, controlada por Ricardo Salgado, a Savoices. De modo a tapar o buraco, Ricardo Salgado terá, através de um intermediário, feito chegar a uma outra offshore controlada pelo ex-banqueiro, a Begolino, outros 3,9 milhões de euros, originalmente saídos do GES.
Na mesma altura, foram transferidos mais 2 750 000 euros da ES Enterprises para a Savoices, com passagem por uma conta de um outro intermediário. No total, o ex-presidente do BES ter-se-á apropriado de 10 717 611 euros, que terá usado, entre outros fins, para comprar ações da EDP e diamantes.
Durante o julgamento, Ricardo Salgado alegara que as transferências em causa foram "empréstimos", mas a justificação foi descartada pelo tribunal. Na leitura do acórdão, que durou menos de 20 minutos, Francisco Henriques sustentou, ainda assim, que não ficou demonstrado que o arguido tinha, como alegara o Ministério Público, a gestão centralizada do GES.
O trio de juízes decidiu assim condenar o ex-banqueiro a uma pena, em cúmulo jurídico, de seis anos de prisão efetiva, por três crimes de abuso de confiança qualificado.
"Não é aceitável"
"Obviamente, não podemos concordar com esta decisão", reagiu, à saída, Francisco Proença de Carvalho, salientando que "que a condenação não revela aquilo que se passou no julgamento". O advogado do ex-presidente do BES criticou ainda a aplicação de uma pena efetiva a alguém que, "como ficou provado, sofre de doença de Alzheimer". "Do ponto de vista daquilo que me parece ser a lei, também o humanismo e a dignidade humana, não é aceitável", defendeu.
O causídico confirmou, de resto, que vai recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão proferido esta segunda-feira. E citou Mário Soares, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República, falecido em 2017, para dizer que "só é vencido quem desiste de lutar".
"O nosso cliente há oito anos que não faz outra coisa que não seja lutar nos tribunais, com objetividade, assertividade, factos, provas. Essa luta vai continuar, até pelo respeito da dignidade humana do nosso cliente", concluiu.
Resultou da Operação Marquês
Apesar dos vários processos em curso relacionados com a queda do BES/GES, esta foi a primeira vez que Ricardo Salgado foi julgado num tribunal criminal. O processo resultou da Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Inicialmente, o ex-banqueiro tinha sido acusado pelo Ministério Público, naquele caso, de 21 crimes, mas 18 acabaram por cair, em abril de 2021, no final da instrução do processo, dirigida pelo juiz Ivo Rosa.
Na altura, o magistrado decidiu ainda que Ricardo Salgado deveria ser julgado sozinho pelos três crimes de abuso de confiança qualificado que restaram. Em dois deles, fora acusado em coautoria com os dois intermediários das transferências para offshores Henrique Granadeiro, ex-administrador da Portugal Telecom, e o empresário luso-angolano Helder Bataglia, ambos ilibados por Ivo Rosa no final da instrução.
O caso do ex-líder do BES foi o segundo da Operação Marquês a chegar a julgamento após a conclusão daquele fase: Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, foi punido com dois anos de prisão, numa pena já confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Permanece em liberdade, enquanto aguarda decisão sobre o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, a única instância a que poderia apelar da confirmação da condenação.
O julgamento de José Sócrates e do empresário e seu amigo de longa data Carlos Santos Silva, por bastante menos crimes do que aqueles de que tinham sido acusados, ainda não tem data para começar.
Os restantes 23 arguidos acusados inicialmente na Operação Marquês de crimes económico-financeiros e ilibados por Ivo Rosa aguardam a apreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa do recurso apresentado pelo Ministério Público para saber se escapam mesmo a julgamento. A data para a comunicação da decisão dos juízes desembargadores é uma incógnita.