Na soma de todos os erros, um dos maiores passou despercebido: a questão da transmissão aérea. No início de 2020, os cientistas trabalhavam para entender o novo vírus que surgiu em Wuhan, na China, e que despontava por todo o mundo. Entre o fluxo de artigos científicos e reportagens sobre o surto, uma característica foi especialmente marcante: eventos de superdisseminação em meados de fevereiro de 2020, mais de 5 mil membros da seita religiosa ‘Shincheonji Church of Jesus’, na Coreia do Sul, contraíram o vírus praticamente da mesma fonte, uma mulher, a “paciente 31”. Eventos semelhantes de superdisseminação começaram a ser relatados em outras partes do mundo, de navios de cruzeiro a bares.
Estes eventos chamaram a atenção de diversos cientistas, em particular Linsey Marr, engenheira ambiental e cientista de aerossóis que estuda vírus no ar na Virginia Tech, nos Estados Unidos, que se debruçou sobre como as partículas se movem no ar e a transmissão aérea do vírus. As suspeitas iniciais recaíram na possibilidade de a transmissão ser feita através de aerossóis microscópicos e não por gotículas visíveis de tosse ou espirro de uma pessoa infetada.
No entanto, no início, a OMS e outras autoridades de saúde não estavam convencidas de que os aerossóis eram um problema. “A Covid-19 não é transportada pelo ar”, afirmaram. Muitos governos seguiram o exemplo, enfatizando a importância de lavar e desinfetar as mãos. A palavra “airborne” não foi mencionada em qualquer cartaz, sites ou mesmo orientação científica. “Estavam realmente a dar um pontapé a si próprios porque essa palavra é a melhor maneira de explicar como o vírus se espalhava para o público em geral”, explicou Marr, ao ‘IFLScience’. “Na realidade, muita da transmissão acontece ao respirar essas pequenas partículas do ar, respirando o vírus, tanto a curtas quanto a longas distâncias. É mais provável quando se está perto de alguém, tal como acontece com o tabaco: ficamos mais expostos ao fumo se estivermos perto”, lembrou.
A diferença pode parecer subtil mas tem algumas implicações pesadas. Os aerossóis transportados pelo ar, no entanto, são diferentes essas partículas significativamente menores podem permanecer no ar por muito mais tempo. Numa sala abafada e mal ventilada, os aerossóis carregados de vírus podem ficar no ar por um tempo significativamente maior as pessoas infetadas também são mais propensas a exalá-los por simplesmente respirar ou falar, em oposição a tosse ou espirros.
Marr, além de vários outros cientistas de aerossóis, sabiam que tinham uma tarefa pela frente no primeiro estágio da pandemia. Apesar dos seus esforços, poucos progressos foram feitos em julho de 2020, 238 cientistas escreveram uma carta aberta à OMS exigindo que eles reconhecessem e mitigassem a transmissão aérea da Covid-19. Demorou quase um ano para chamar a atenção das autoridades de saúde pública. “Neste ponto, não queriam reconhecer que a doença é transmitida pelo ar, porque não o fizeram inicialmente”, explicou Marr.
Em maio de 2021, a OMS e o CDC dos EUA finalmente atualizaram os seus pareceres científicos sobre a transmissão da Covid-19, reconhecendo que o vírus se espalha através de partículas transportadas pelo ar.
A ciência está em constante evolução e a compreensão da Covid-19 cresceu dramaticamente nos últimos dois anos. E, olhando para a frente, pode-se aprender com isso. “Em termos de mudança de paradigma, convivemos com essas doenças transmitidas pelo ar, como constipações e gripes. As pessoas viviam com mais doenças transmitidas pela água, apenas aceitando-as como um modo de vida, até perceberem que se pode começar a tratar a água. Seguindo em frente, espero que comecemos a pensar como projetamos espaços internos e lidamos com o ar”, finalizou Marr.
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