A capital libanesa foi arrasada por uma explosão há um ano. Uma crise política trava a investigação ao desastre que matou centenas.
A vida já seguia devagar ou parada. Depois de uma revolução no final de 2019 contra o Governo, o povo libanês, já em ebulição, via a crise económica a ser adensada por uma pandemia que parou o Mundo. Mas o golpe final deu-se há um ano, quando 2750 toneladas de nitrato de amónio, esquecidas no porto de Beirute há mais de seis anos, deram origem a uma das maiores explosões não nucleares da história moderna.
Beirute foi dilacerada. 217 pessoas morreram. O rasto da destruição ainda perdura e a ferida na capital do Líbano nunca mais se fechou. Um ano depois, ainda não há respostas para o que aconteceu e não parece haver muitos interessados em dá-las a quem luta contra os traumas deixados pela devastadora explosão.
"O país está em piores condições do que estava há um ano. Há um enorme desalento em Beirute e o povo está aniquilado e deprimido", contou João Sousa, fotojornalista português que, há um ano, testemunhou as explosões. Hoje, recolhe retratos de uma cidade que se "ergue muito lentamente", com cada vez mais "pobreza" e onde as pessoas "pedem desculpa por roubar", tal é o desespero para comer.
O pouco que se tem feito acontece graças à resiliência "que caracteriza" os libaneses. "De pá e vassoura na mão, os libaneses não esperaram pelos apoios do Estado para reconstruir Beirute. Sabiam que nunca iam chegar", lamenta João.
Mas a destruição é quase um mal menor, comparado a tudo o que se vive em Beirute e no Líbano. O país está sem Governo há cerca de um ano e os 18 grupos religiosos não conseguem ultrapassar as diferenças. A crise socioeconómica, agravada ainda mais pela explosão, é já a pior da história do país.
A lógica parece ser: primeiro vê-se quem é o mais apto para governar, e depois pensa-se no país, explica o português que continua no Líbano por amor à esposa, que espera conseguir um visto, e ao trabalho no diário "L"Orient Le Jour".
É preciso respostas
As condições sanitárias são cada vez piores porque os cortes de eletricidade são, também, cada vez mais longos. E a hiperinflação dos produtos faz com que seja quase impossível comprar coisas básicas como medicamentos, produtos de higiene íntima ou mesmo leite em pó. "Em Beirute paira muita raiva no ar. A corrupção cria entraves à investigação da explosão e as pessoas, sem respostas, não sabem como seguir em frente". Nenhum responsável foi ainda levado à justiça e os vários intervenientes políticos libaneses, cada um para seu lado, dificultam o processo.
Além disso, "quem fareja demais às tantas desaparece ou aparece morto", como aconteceu a Lokman Slim, "um grande crítico do Hezbollah (grupo xiita libanês) e que estava a investigar o que aconteceu no porto, foi este ano assassinado", recorda João Sousa.
Se antes da explosão não havia grandes perspetivas de futuro, agora ainda menos. "Um ano depois há muitos espaços abandonados, restaurantes e bares que fecharam de vez". Não há dinheiro para reerguer negócios e a crise afasta os que querem paz e atiça os que clamam por uma guerra civil. Beirute parece agora uma "cidade-fantasma" e não parece haver ninguém interessado em reavivar a capital. Não sem antes conquistar o poder.
Uma em cada três crianças traumatizada
Um ano depois da explosão, uma em cada três crianças libanesas apresenta sinais de trauma, revelou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). "Uma em cada três famílias (34%) tem filhos que ainda mostram sinais de sofrimento psicológico", afirmou a Unicef, que fez um estudo com 1200 famílias em julho. "No caso dos adultos, a proporção chega a quase uma em cada duas pessoas (45,6%)", acrescentou a agência da ONU num relatório publicado na terça-feira.
Não haverá Governo
O novo primeiro-ministro libanês indigitado, Najib Mikati, admitiu que, ao contrário do que desejava, não haverá novo Governo no país antes do aniversário da explosão do porto de Beirute, estando as negociações políticas a obstruir novamente o processo.
Há um ano sem líder
O Líbano está sem Governo desde a demissão de Hassan Diab e da sua equipa a 10 de agosto de 2020. Mikati foi encarrege pelo presidente Aoun de formar um novo Governo, após o fracasso dos dois antecessores em constituir Executivo para realizar reformas indispensáveis para fazer o Líbano sair da pior crise socioeconómica da sua história.
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