Vamos, então, perceber como é que aparece no boletim de voto um nome que não é elegível.
As candidaturas às eleições Presidenciais tinham de chegar ao Tribunal Constitucional até dia 24 de janeiro de 2020. Foram entregues oito: a de Marcelo Rebelo de Sousa, a de Ana Gomes, a de Marisa Matias, a de João Ferreira, a de André Ventura, a de Tiago Mayan Gonçalves, a de Vitorino Silva e a de Eduardo Baptista.
Depois de recebidas, as candidaturas têm de ser validadas. "A verificação da regularidade dos processos, a autenticidade dos documentos e a elegibilidade dos candidatos” compete ao Tribunal Constitucional.
A decisão sobre a admissão ou rejeição de qualquer uma das candidaturas apresentadas tinha de ser proferida no prazo de seis dias a contar do dia 24 de janeiro. A lei também exige que, verificando-se irregularidades processuais, seja dada oportunidade às candidaturas para as suprirem no prazo de dois dias.
Foi o que aconteceu às candidaturas que tinham irregularidades: a de André Ventura, a de Tiago Mayan e a de Eduardo Baptista.
De acordo com o Tribunal Constitucional, André Ventura enviou a informação em falta sobre a sua atividade profissional. E o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, Tiago Mayan, enviou o documento de identificação do seu mandatário, o ex-deputado do CDS-PP Michael Seufert, e reorganizou as declarações de propositura e respetivas certidões de eleitor, para perfazer 7.500 declarações válidas.
Já o militar Eduardo Baptista, que tinha apresentado 11 assinaturas de cidadãos eleitores, das quais apenas seis válidas, entregou apenas mais quatro das 7500 exigidas. A candidatura foi assim rejeitada.
Porque não foram alterados os boletins de voto?
De acordo com o calendário fixado pela Comissão Nacional de Eleições, quando o Tribunal Constitucional realizou o sorteio para definir a ordem em que os nomes iriam constar no boletim, a candidatura do militar estava em igualdade com as restantes candidaturas, uma vez que tinha sido apresentada até ao dia 24 de dezembro.
No dia 28 de dezembro decorreu, como estava agendado, o sorteio para que se procedesse à impressão dos boletins. O sorteio ditou a seguinte ordem: Eduardo Baptista, Marisa Matias, Marcelo Rebelo de Sousa, Tiago Mayan Gonçalves, André Ventura, Vitorino Silva, João Ferreira, Ana Gomes.
De acordo com o decreto de lei que regulamenta a eleição do Presidente da República, “a realização do sorteio não implica a admissão das candidaturas, devendo considerar-se sem efeito relativamente às candidaturas que [...] venham a ser definitivamente rejeitadas”.
O Tribunal Constitucional, depois do sorteio, tinha até ao dia 4 de janeiro para comunicar aos candidatos eventuais irregularidades, mas fê-lo logo no dia 28 de dezembro, dando dois dias para que as candidaturas fossem retificadas.
Eduardo Baptista não regularizou a candidatura e os boletins já tinham sido impressos.
A Comissão Nacional de Eleições alegou que não podia esperar pelas regularizações dos candidatos, uma vez que isso se poderia estender até ao dia 11 de janeiro e tinha de cumprir a tempo o processo eleitoral no estrangeiro. Em declarações à Lusa, o porta-voz disse que era “materialmente impossível” ficar à espera.
Os boletins têm de ser enviados para garantir o voto dos residentes no estrangeiro. "Quando se soube na segunda-feira (dia 28 de dezembro) a ordem dos candidatos, a máquina teve de avançar, era materialmente impossível ficar-se à espera dos recursos e prazos de reclamações, que só ficaria terminado no dia 11 de janeiro”, sublinhou João Tiago Machado à agência Lusa.
As irregularidades da candidatura de Eduardo Baptista
"Independentemente de mais considerações, a não apresentação de um número de declarações de propositura suficiente para perfazer o mínimo legal determina a não admissão da candidatura respetiva", refere o Tribunal. Mas o número de proposituras é apenas uma das das seis irregularidades da candidatura, de acordo com o acórdão publicado no site do Tribunal Constitucional.
O militar sempre foi muito crítico dos requisitos exigidos, por considerar que o sistema atual favorece aqueles que têm máquinas partidárias por detrás.
"A minha situação é muito particular porque devido a estes estados de emergência, a licença especial para concorrer, que tem de ser dada pelo chefe do ramo [das Forças Armadas], caduca automaticamente, mas eu considero que isto é inconstitucional. Só consegui 11 proposituras, mas estou aqui para ser Presidente da República como os outros", disse à agência Lusa.
Natural da Vila da Lixa, Porto, com 48 anos e há mais de três colocado num quartel da NATO, na Holanda, Eduardo Baptista prometeu recorrer até às últimas instâncias para fazer valer o seu ponto de vista, designadamente o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e lamentou que "só os concorrentes apoiados por partidos políticos é que têm atenção da comunicação social".
Segundo o próprio, as assinaturas que entregou no Tribunal Constitucional foram “de um camarada militar”, outra “de um amigo” e “o resto da família”.
Os candidatos que já apareceram no boletim sem ir a votos
Nunca em Portugal tinha surgido no boletim de voto o nome de um candidato que tenha visto a sua candidatura rejeitada, mas não é a primeira vez que um candidato aparece no boletim sem ir a votos.
Aconteceu três vezes com candidatos apoiados pelo PCP que desistiram até 72 horas antes da eleição, como está previsto na lei.
O primeiro foi Carlos Brito, em 1980, que desistiu a favor de Ramalho Eanes. O mesmo aconteceu seis anos mais tarde, quando Ângelo Veloso não foi a votos para favorecer Salgado Zenha.
Em 1996, Jerónimo de Sousa saiu em favor de Jorge Sampaio, na disputa com Cavaco Silva.
O nome de um candidato que não tenha seja admitido na corrida à eleição pode constar no boletim, mas os votos na sua candidatura serão considerados nulos.
Luís Marques Mendes considera que "erro" dos boletins foi "desleixo da parte do Estado"
No espaço habitual no Jornal da SIC de domingo, Luís Marques Mendes destacou o erro dos boletins de voto. Para o comentador trata-se de "um desleixo por parte do Estado".
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