Um polícia foi assassinado, as autoridades dizem ter sido executado com um tiro direto na cabeça, e os outros 24 mortos são na maioria de homens jovens, ou mesmo adolescentes. Eram considerados "suspeitos" pela Polícia Civil, que desencadeou a operação em conjunto com a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e que tinha por alvo "os traficantes do Comando Vermelho", que recrutam menores para o narcotráfico e o crime, segundo alegações policiais.
A autoridade não deu provas dos crimes levados a cabo pelos "suspeitos" que foram executados no local. As suas identidades não foram reveladas. Não foi formada acusação judicial.
Polícia tinha 45 anos
A Polícia Civil confirmou já que o polícia morto é André Leonardo de Mello Frias, de 45 anos, inspetor do DCOD, Delegacia de Combate às Drogas.
Segundo a Polícia Civil, as ruas estreitas do Jacarezinho estavam bloqueadas em vários pontos de acesso com grades blocos de cimento e pedaços de trilhos metálicos amontoados, que pretendiam evitar a entrada dos carros blindados. Por disso, os policiais tiveram que descer várias vezes dos veículos para retirarem à mão os obstáculos. Foi num desses momentos que o inspetor terá sido baleado na cabeça, morrendo no local.
Na operação houve ainda outras pessoas feridas. Pelo menos dois passageiros de um autocarro foram atingidos, um por uma bala perdida e outro por estilhaços de vidros, mas sobreviveram e não correrão perigo de vida.
Operação mais sangrenta em décadas
Esta operação policial é já considerada a "mais sangrenta" e "mais mortal de sempre" na história do Rio de Janeiro, superando o terror do massacre de Vigário Geral, em 1993, no qual 21 pessoas foram mortas aos tiros quando a polícia invadiu uma outra favela a norte do Jacarezinho.
Supera também a batida policial de 2007, a operação mais mortal do Rio que ocorreu em 2007, na comunidade do Complexo do Alemão, quando 19 pessoas perderam a vida durante um varrimento de polícia armada.
Foi um extermínio, gritam os ativistas
"É inacreditável, é desprezível, é verdadeiramente horrível", disse Pablo Nunes, investigador do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania do Rio, citado pelo jornal "Globo".
"Isto foi um extermínio, não há outra forma de o dizer", comentou Pedro Paulo Silva. "Foi um massacre".
"Nunca vi tanto derramamento de sangue. Foi uma carnificina completa", disse por seu lado Joel Costa, advogado e ativista de direitos humanos natural do Jacarezinho, que está a partilhar imagens perturbadoras do ataque.
"Hoje [ontem, 6 de maio] foi assustador até para nós que trabalhamos com segurança pública", disse ainda. "Perante isto, a única conclusão que você pode tirar é que nas favelas não há democracia. Os suspeitos de crimes devem ser presos e julgados e não executados pela polícia nas ruas".
TV tabloide quer mais sangue
Por outro lado, a Imprensa tabloide está a dar voz a certos comentadores populares que defendem ações mais musculadas da autoridade.
"Seria ótimo se a polícia pudesse lançar duas operações como essa todos os dias para libertar o Rio de Janeiro dos traficantes, ou pelo menos reduzir seu poder", disse taxativamente o apresentador do programa de TV "Balanço Geral", que considerou ainda a morte de 24 "suspeitos" como "um ataque "cirúrgico".
"Isto não é tolerado em lado nenhum"
Para o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, ações violentas como esta, empreendidas pelas forças policiais, não seriam toleradas em nenhum lugar do mundo democrático.
"Só no Brasil é que o cumprimento de mandados de prisão termina com 25 mortos e ainda é chamado de 'operação policial'", diz. "Estas operações não ocorrem sequer noutros Estados do Brasil. Mas, no Rio, acontecem com toda a frequência e passam em branco: a Justiça não pune ninguém. A impunidade é uma certeza e alimenta o comportamento violento da polícia", afirmou o especialista à BBC Brasil.
Polícia justifica-se
Perante a pressão da opinião pública, a Polícia Civil já foi obrigada a dar mais explicações, afirmando ter entrado no Jacarezinho após receber denúncias de que os traficantes locais estariam a aliciar crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas.
Segundo um comunicado, a polícia identificou, através de trabalho de investigação e de vigilância autorizadas pela Justiça, 21 integrantes da quadrilha do Comando Vermelho que controla todo o território da famosa favela.
"Foi possível caracterizar a associação dessas pessoas com a organização criminosa que domina a região, onde foi montada uma estrutura típica de guerra provida de centenas de 'soldados' munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares", disse a corporação do Rio.
Polícia matou 797 pessoas em 9 meses
A polémica e trágica operação desta quinta-feira, que a polícia diz ter tido como objetivo "evitar que crianças e adolescentes sejam atraídos para o mundo do crime", ocorreu apesar de uma ordem do Supremo Tribunal brasileiro de junho de 2020 que impedia incursões policiais durante a pandemia do coronavírus.
O número de operações policiais nas favelas foi desde então reduzido, mas voltou a aumentar desde outubro, relata o correspondente do jornal inglês "The Guardian".
Números divulgados recentemente mostram que a polícia brasileira matou 797 pessoas no estado do Rio no espaço de nove meses, entre junho de 2020 e março de 2021, a grande maioria no centro urbano ou nos arredores metropolitanos.