Inês Pereira e familiares mandavam desligar multibanco das lojas para obrigar clientes a pagar em dinheiro. Saco azul ia parar a contas particulares, de testas de ferro e a uma offshore.
A cabeleireira Inês Pereira, o marido, os dois filhos, assim como colaboradoras, testas de ferro e um advogado foram acusados pelo Ministério Público (MP) de crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Entre 2011 e 2018, terão montado uma contabilidade paralela nas 14 lojas do grupo. Muitos pagamentos feitos com cartões iam parar a contas pessoais e havia ordens para desligar os terminais multibanco e receber em dinheiro, que não declaravam. O Estado reclama-lhes 1,8 milhões de euros.
A acusação refere que o grupo Inês Pereira foi alvo de uma ação de inspeção da Autoridade Tributária (AT) em 2011. Naquele ano, a cabeleireira dos famosos declarou rendimentos de trabalho dependente de mais de 33 mil euros, mas na sua conta bancária particular caíram 605 mil euros. O dinheiro era proveniente de pagamentos com cartões de débito ou crédito em terminais das lojas Inês Pereira. Esses movimentos foram considerados suspeitos e deram origem a uma minuciosa investigação da Direção de Finanças do Porto, que veio a detetar um esquema aparentemente organizado.
"Os arguidos Maria Inês Pereira, Ramiro Pereira, Ricardo Pereira e Inês Catarina Pereira organizaram-se ao longo dos anos de atividade de forma a concretizarem esquemas para não declaração de rendimentos, que visaram unicamente a omissão contabilística e fiscal de parte substancial dos rendimentos obtidos nas diferentes lojas do grupo e a sua apropriação individual, fazendo ingressar tais rendimentos na sua esfera pessoal, dissimulando-os de forma a lograrem a "fuga" ao pagamento dos impostos devidos", garante a acusação.
Na prática, explica o MP, a família teria uma contabilidade oficial e outra oculta, na qual eram ocultados rendimentos. Nas lojas haveria sempre dois terminais para pagamentos com cartões bancários. Num deles os valores caíam numa conta oficial da empresa, sempre que os clientes exigissem recibos, e eram sempre declarados ao Fisco. Mas quando as funcionárias apresentavam o outro aparelho, o dinheiro ia parar a contas particulares da família, não entrando na contabilidade do grupo. A partir de 2012 e 2013, para ocultar rendimentos das lojas o grupo começou a usar "contas bancárias de terceiros, não diretamente relacionáveis com aqueles, para encobrir os montantes fiscalmente omitidos", diz a acusação.
O MP apresenta também e-mails com orientações para as lojas, apreendidos pelos inspetores do Fisco. "Só registas o que é pago no MB, se pedirem fatura (como é óbvio), ou se venderes produtos", instruía um deles. Alguns dos pagamentos foram parar a uma conta bancária detida por uma empresa offshore sediada num paraíso fiscal nos Estados Unidos da América.
A própria Inês Pereira foi apanhada em escutas telefónicas a pedir às funcionárias para desligarem os multibancos, obrigando as clientes a pagarem em dinheiro, que era colocado num envelope e entregue diariamente a um dos membros da família.
Operação do Fisco nas lojas
Em dezembro de 2018, inspetores da Direção de Finanças do Porto fizeram buscas em lojas e na sede do Grupo Inês Pereira, no Grande Porto. Recolheram documentos e elementos contabilísticos. Na loja da Rua Firmeza, na Baixa portuense, a PSP acompanhou as buscas.
16
Arguidos foram acusados pelo Ministério Público do Porto de crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento. São os quatro membros da família Pereira, os colaboradores e seis empresas, também arguidas.
Controlo diário
Num computador apreendido em casa do filho de Inês Pereira as autoridades encontraram ficheiros com a real contabilidade das lojas e os verdadeiros apuros. Em 2017, a contabilidade oculta registou 4,1 milhões de vendas, enquanto a declarada foi de 3,5 milhões.
Encobrimento
Para o MP, a família Pereira criou e desenvolveu um circuito de encobrimento dos lucros não declarados, "o que lhe permitiu e permite ostentar um nível de vida totalmente inconsistente com os rendimentos fiscalmente declarados".