Jorge Mendes, Gestifute, Nani e Manuel Fernandes também foram lesados pela mesma burlona. Arguida tinha acesso a cartão de crédito de CR7 para pagar deslocações. Foi condenada e está a indemnizar antigo patrão em prestações mensais.
Cristiano Ronaldo foi burlado, ao longo de mais de três anos, pela funcionária de uma agência de viagens a quem confiou os seus cartões de crédito e respetivos códigos. A burlona lesou CR7 em 288 mil euros, correspondentes a cerca de 200 viagens que ele nunca fez. Mas o craque português não foi a única vítima daquela mulher, de 53 anos, já condenada, pelo Tribunal do Porto, em 2017, a uma pena suspensa de quatro anos. O "superagente" Jorge Mendes, as suas empresas Gestifute e Polaris e os futebolistas Nani e Manuel Fernandes perderam um total de 350 mil euros. A burlona, entretanto, continua a pagar mensalmente uma indemnização à sua antiga empresa, por esta ter reembolsado na íntegra todos os lesados.
Maria Silva, natural de Vila Nova de Gaia, não era uma qualquer agente de viagens da Geostar. Tinha um escritório nas próprias instalações da Gestifute, no Porto, para tratar das deslocações de futebolistas, bem como das suas famílias, representados por aquela empresa. Por serem clientes considerados especiais, a agente tinha a missão de lhes dar um tratamento personalizado e sigiloso. E, por isso, também tinha a total confiança de vários jogadores. Entre eles estava Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, CR7, que nem deu conta das quantias avultadas que a mulher lhe foi retirando da conta bancária, entre fevereiro de 2007 e julho de 2010. Pelo meio, em 2009, Ronaldo trocou o Manchester United, de Inglaterra, pelo Real Madrid, de Espanha, numa das mais caras transferências no futebol mundial, de 94 milhões de euros.
Ronaldo pagava tudo
Segundo o acórdão da primeira secção criminal do Tribunal do Porto, assinado pelos juízes a 10 de janeiro de 2017, Maria Silva aproveitou o vasto leque de clientes VIP a que tinha acesso na Gestifute para lhes vender viagens. Era contactada por inúmeros jogadores ou familiares destes para deslocações entre cidades europeias e Portugal, mas também entre a Europa e os continentes americano e africano. Marcava-lhes as viagens e recebia quer em dinheiro quer em cheque ou por transferência bancária.
Mas, em vez de depositar as verbas nas contas da empresa ou de indicar o número de conta da Geostar, mandava os clientes realizarem as transferências para contas pessoais, onde também fazia depósitos. Os clientes, como Simão Sabrosa ou Tiago (o ex-internacional e atleta do Benfica, da Juventus ou do Atletico de Madrid), nem sabiam que transferiam dinheiro para uma conta pessoal da agente de viagens.
"Via Verde" para sacar
Mas, depois, a agente tinha de "tapar o buraco" na conta da empresa. Então começou a faturar essas viagens a Cristiano Ronaldo, possuidor de uma conta-corrente na Geostar e que tinha, por razões práticas, entregue à agente um cartão de crédito virtual e respetivo código. Era uma "via verde" para sacar dinheiro. Ainda segundo o acórdão, Maria Silva cobrou ao multimilionário cerca de 200 viagens que ele nunca realizou.
Nas contas da Geostar, CR7, familiares ou amigos foram inúmeras vezes para Bissau, Milão, Lyon, São Paulo, Paris, Bruxelas, Barcelona, Belgrado e S. Tomé, entre muitos outros destinos.
As viagens eram, regra geral, pagas através de um Terminal de Pagamento Virtual, espécie de Multibanco virtual que a mulher tinha à disposição, pelas suas funções. A mulher acabou por burlar outros clientes VIP, tal como Jorge Mendes, Nani e Manuel Fernandes.
Ao fim de três anos, o esquema foi descoberto pela empresa e a agente demitiu-se, assumido todas as culpas. Sofria de uma patologia de consumismo excessivo e gastou tudo. No julgamento, fez uma confissão integral e sem reserva dos factos. Foi condenada a quatro anos, com pena suspensa, na condição de indemnizar a empresa em nove mil euros. Hoje, é empregada de limpeza e continua a pagar a indemnização.
Confissão de suspeita evitou presença de CR7 no julgamento
O esquema criado por Maria Silva no implante da Geostar, localizado na Gestifute, foi descoberto em agosto de 2010. A mulher confessou imediatamente os factos à entidade patronal. Em julgamento fez o mesmo. Perante os juízes, confessou integralmente e sem reserva os factos pelos quais tinha sido acusada. O reconhecimento total dos crimes levou os juízes a prescindir do testemunho e das presenças no Tribunal de S. João Novo de Cristiano Ronaldo, Jorge Mendes, Nani e Manuel Fernandes.
A queixa da empresa foi recebida pelo Departamento de Instrução e Ação Penal (DIAP) do Porto a 21 de janeiro de 2011. Até então, apenas a agente, as vítimas, a Geostar e alguns advogados sabiam da burla. Mas mesmo depois do processo ter circulado entre os corredores e funcionários do DIAP e ter ido parar à Polícia Judiciária do Porto, o segredo manteve-se.
Entrou de carro na PJ
A 7 de junho de 2011, Ronaldo foi convocado para ser inquirido na PJ do Porto. Deslocou-se de Madrid (onde jogava na altura) ao Porto, num avião privado, propositadamente alugado para ser ouvido nesse dia, tendo voltado para Espanha ao final da tarde. CR7 não entrou pela porta principal. Chegou de carro, por uma entrada alternativa, acompanhado do seu advogado, Osório de Castro.
No auto de inquirição, que consta do processo, disse que conhecia a agente de viagens havia cinco anos e que lhe tinha dado um cartão de crédito virtual, com os códigos, para que esta pagasse os serviços solicitados. Assim, evitava estar sempre a contactá-la.
Confiou na honestidade
Perante os inspetores da Judiciária do Porto, CR7 explicou que, para contratar viagens de valores mais elevados, os pagamentos eram feitos por transferências bancárias, mas admitiu que, quando se tratava de pequenas quantias, confiava na honestidade da mulher. Nunca suspeitou de que ela lhe sacara 288 mil euros ao longo de três anos. Em apenas meia hora, terminou a audição e CR7 saiu como entrou, sem que ninguém desse conta da sua passagem pela PJ.
O mesmo aconteceu com as inquirições de Jorge Mendes, a 6 de outubro de 2011, de Manuel Fernandes (22-06-2011) então a jogar na Turquia, e de Nani, a 21 de março de 2012.
Maria Silva também foi interrogada na PJ, em outubro de 2013. Não quis prestar declarações aos inspetores, mas acabaria por confessar tudo no julgamento que a condenou por burla e falsificação de documento.
As seis principais vítimas
Cristiano Ronaldo
Prejuízo: 288 mil euros
O avançado, conhecido em todo o Mundo, jogava no Manchester United quando começou a ser burlado. Foi transferido para o Real Madrid e continuou a ser vítima da agente de viagem, que só parou o esquema em 2010.
Jorge Mendes
Prejuízo: 16 845 euros
O "superagente" era dos clientes que mais viajavam através do chamado implante da Geostar, instalado no seu escritório na Praceta do Bom Sucesso, no Porto. Não terá sido dos mais prejudicados por ser cuidadoso com as contas.
Manuel Fernandes
Prejuízo: 2742 euros
O ex-jogador do Benfica nunca conheceu a agente de viagens porque era um amigo e relações públicas seu quem tratava destas questões. Através dele pagava as viagens por transferências bancárias. Foram-lhe faturadas e debitadas algumas viagens que nunca fez.
Nani
Prejuízo: 1846 euros
Luís Carlos Almeida da Cunha, conhecido como Nani, está atualmente a jogar no Orlando, nos Estados Unidos. Era companheiro de Ronaldo no Manchester United quando foi burlado pela agente de viagem.
Gestifute
Prejuízo: 42 178 euros
A agente de viagens lesou a Gestifute, Gestão de Carreira, SA, mas também a Gestifute Internacional. As empresas contratavam deslocações para que funcionários fossem ter com jogadores agenciados ou para negociar contratos.
Polaris
Prejuízo: 2260 euros
É uma empresa de Jorge Mendes que, de acordo com a respetiva página na Internet, é há mais de quinze anos líder mundial em direitos de imagem de atletas e personalidades ligadas ao desporto, representando estrelas como Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva ou José Mourinho.