"Uma pessoa que representa a Igreja não pode ser assim", atira, revoltada, Emanuela Cerqueira, com as lágrimas nos olhos. "Dói-lhe" muito não ter conseguido fazer à avó a sua "velhinha" o funeral que ela queria.
Maria da Conceição Ferreira Maia morreu a 13 de maio em casa em Guilhabreu, Vila do Conde. O padre, Carlos Duarte, recusou fazer-lhe o funeral. Diz que a idosa não pagava a côngrua (donativo anual à Igreja), mas um diferendo antigo com o genro de Conceição faz, há mais de 50 anos, toda a família pagar as "favas".
"Disse-nos que não fazia o funeral, porque ela não pagava a côngrua. Explicamos-lhe que ela esteve anos e anos emigrada em França. Só estava a viver em Portugal com a minha prima desde 3 de maio. A minha prima tem a côngrua de 2020 paga 25 euros, mais 13,5 euros. Mostramos-lhe os recibos da paróquia e o atestado da junta. Insistiu que não fazia. Perguntamos se podíamos pedir a outro padre para fazer a cerimónia. Não deixou. Quisemos pagar o que fosse. Não aceitou", conta.
A revolta cresce quando explica as horas "com um corpo morto em casa", "a correr de lado para lado", porque o padre lhe "recusou a igreja".
A avó, devota de Nossa Senhora de Fátima, morreu precisamente a 13 de maio. A "coincidência" deixou a família ainda mais indignada por não lhe poder fazer o funeral religioso e "digno" que Maria da Conceição desejava.
Um diferendo com mais de cinco décadas
"O genro e a filha não pagam os direitos paroquiais e não estão nada ligados à igreja. Além disso, o sr. não respeita a vizinhança da igreja. Tem um terreno aqui mesmo, todo maltratado e com umas cruzes e uns sinais estranhos", afirmou, ao JN, o padre Carlos Duarte.
O pároco, de 92 anos, que está há 59 à frente da paróquia de S. Martinho, em Guilhabreu, admite que, por ali, "há outros casos" de quem "não frequenta a igreja e não paga os direitos". Admite o diferendo antigo com António Sousa (mais conhecido por Patrício) que já motivou, "inclusive, um processo judicial" e mais não diz.
Helena Arezes, mulher de António Sousa, diz que o "marido foi excomungado pelo padre quando tinha 12 anos". Volvidos 54 anos, a "guerra" continua.
A "gota de água" terá sido uma pequenina capela, erguida por António Azevedo (o Inácio), num terreno de Patrício, mesmo ao lado da igreja. Carlos Duarte não gostou. Diz ainda que o terreno, mesmo no sopé da igreja, "dá mau aspeto" e põe em perigo de derrocada o adro da igreja.
Emanuela só lamenta que "toda a família continue a pagar as favas", mais de cinco décadas depois. "Não fui batizada, porque o meu padrinho era o meu tio e o padre não deixou. Não fui aceite na catequese. O padrinho do filho mais velho da minha prima é S. Lázaro. O padre também não aceitou os padrinhos. Ela própria foi batizada numa freguesia vizinha. Não é justo!".
Diocese diz que a "côngrua não é obrigatória"
A diocese já recebeu a exposição da família e está a averiguar o caso. O padre Jorge Duarte diz que a recusa de um funeral pelo não pagamento é "desproporcional". Acredita que "há outras razões, que não o dinheiro" e esclarece: "A côngrua é um dever das pessoas. É a fonte de financiamento da maior parte das paróquias, sobretudo as mais rurais, mas é uma indicação. Não é obrigatória. Na minha paróquia (em Gaia), por exemplo, tenho 40 ou 50 famílias que pagam em 30 mil pessoas. A ser assim, não fazia nenhum funeral por ano".
A "indicação" é que cada paroquiano dê um dia de salário por ano para assegurar o salário do pároco e todas as despesas da paróquia.
"A Igreja recomenda justamente o contrário: a proximidade, o acompanhamento e a solidariedade de quem está a sofrer pela perda de um ente querido e não uma atitude de exclusão", disse, ao JN, o padre Jorge Duarte, da diocese do Porto.
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